Cultura de Startup, Investimento e Skin in the game.
Com a explosão das startups de tecnologia e a grande movimentação no cenário atual brasileiro, tornou-se comum entre a maioria dos jovens associar empreendedorismo ao conceito de tech-startups – a.k.a fazer uma aplicativo maneiro.
Não existe nada de errado em querer desenvolver um aplicativo ou um negócio completo a partir da noção de que é possível comercializar software através dos diversos market places existentes por aí. A ideia é até boa e vem dando bastante certo, uma vez que a facilidade de disseminar o produto aumenta e as possibilidades de rendimento acabam se amplificando – leia: ads, vendas, planos, p2w e assim vai. O grande problema que enxergo é quando a única perspectiva de negócio dessa nova geração de empreendedores se encaminha totalmente para uma cultura somente busca por investidores.
Dentro do cenário atual das startups, todos sonham com o modelo – quase caricato – reproduzido no vale do silício: Uma ideia ‘genial’, uma pagina de apresentação ou no máximo um protótipo meio funcional e a corrida atrás de investidores para colocar grana no negócio.
Entendo que alguns modelos de negócio precisam de investidores e nunca sairiam do papel sem ajuda financeira, mas o modelo a ser buscado não deveria ser este. Como sempre gosto de parafrasear o fakegrimlock, aqui vai mais uma citação: “Só pegue dinheiro de investidores quando precisar, especialmente se isso for nunca.”
Startups estão criando modelos de negócio extremamente frágeis e dependentes de investidores.
Isso é assumir que a empresa da sua vida, aquela sua ideia fantástica, vai ser ‘metade’ de outra pessoa logo de cara , e essa pessoa não é aquele sócio que você escolheu a dedo. Todo aquele sonho de ter seu próprio negócio, com suas próprias regras vai por agua abaixo. A partir do momento em que um VC coloca dinheiro na sua ideia, você se torna praticamente um empregado. Com algumas regalias extras, mas um empregado. Seu trabalho começa a se dividir entre o desenvolvimento efetivo do negócio, e as métricas necessárias para agradar a empresa de investimento que está colocando dinheiro na mesa.
O dinheiro é deles e eles querem saber o que você está fazendo. Agora você não trabalha mais para seus clientes, trabalha para seus investidores.
Modelos assim existem aos montes, basta olhar os grupos de discussões que existem sobre empreendedorismo por aí. Poucas pessoas realmente se importam em gerar renda o mais rápido possível. O critério de sucesso das startups é receber uma rodada de investimentos. Todo papo é voltado para “os investidores buscam isso” ou “Os investidores avaliam empreendedores assim”.
Pare de se preocupar em conseguir investidores e procure captar clientes.
O investidor só quer saber de uma coisa: alguém quer seu produto? Apresente um protótipo com milhares/milhões de usuários e todos os argumentos de “o investidor procura isso” cai por terra.
O Investidor quer dinheiro.
O que a hype esconde é que empresas devem ser criadas para se sustentarem sozinhas e sim, elas podem fazer isso. Se uma empresa está começando sem perspectiva de gerar receita –não significa lucro – nos primeiros meses, existe algo de bastante errado com este modelo. Sei que você deve ter vários cases de sucesso para contra argumentar, mas pense novamente. Ao contrário do que as notícias transparecem, de cada 4 startups, apenas 1 chega a retornar rendimentos para seu investidor. Isso significa que os grandes cases inspiradores são na verdade excessões – o que deveria ser óbvio, mas vale a pena enfatizar – e a grande realidade é que este modelo não representa a melhor forma de fazer as coisas.
Para cada case de sucesso que você pensar para contra argumentar, eu tenho 3 que provam o oposto.
O que faço também questão de mencionar são empresas sem nenhuma expectativa de faturamento, a exemplo do instagram. Um monte de startups vão neste caminho, fazer um produto tentar popularizá-lo e arrumar um investimento para segurar as pontas até alguém comprar seu produto por 1 bilhão de dólares. Isso não é modelo de negócio, é loteria. Você pode citar os casos mais recentes – waze e whatsapp – mas em contrapartida a quantidade de iniciativas similares que deram errado, os cases de sucesso não chegariam nem a aparecer num gráfico para serem chamados de ponto fora da curva.
O que leva tantos empreendedores a procura do investimento perfeito é glamourização do processo de startup. Todos querem ser o novo facebook, o novo whatsapp, mas ninguém quer trocar o carro do ano por um uno 2001, sair do apartamento confortável e morar numa kitnet e trabalhar de graça por um ou dois anos, 26 horas por dia(!). Investimentos em muitos casos são - insira o mimimi sobre generalização aqui - uma muleta para os que não querem tomar as ações necessárias e levantar uma empresa nobootstrapping.
Sem dinheiro dos outros, levantar um negócio exige uma remodelagem completa do estilo de vida, nem todos estão dispostos a enfrentar este compromisso.
Falta da “Pele em Jogo”
Um dos reflexos mais marcantes do apoio de investidores ao modelo de startups, é a abstenção de skin in the game. O empreendedor entra com a ideia e o trabalho, o investidor com o prejuízo. O que o investidor faz, muitas vezes, é limitar o lado negativo da falha, permitindo que o empreendedor trabalhe com quase nenhum risco financeiro. Para quem recebe o investimento parece bom, mas vamos ver como isto afeta a mecânica do negócio.
A sensação de “nós já temos dinheiro” criada pelo dinheiro levantado, normalmente atrasa o ponto onde uma startup deve começar a gerar renda, e assim, iniciando o processo de venda de seus produto mais tarde do que deveria/poderia. As desculpas nesse modelo são obvias e você pode reconhecer um empreendedor na zona de conforto quando a resposta sobre clientes é:
- Ainda estamos construindo
- Não foi testado ainda
- Não vamos terminar antes do fim do ano – prazo imaginário aqui.
Quando toda vida pessoal e financeira do empreendedor está apoiada no negócio, ele não quer esperar até o ano que vem para iniciar as vendas. Ele coloca o protótipo no computador e sai por ai vendendo muito antes de estar pronto. Existe todo um conceito de negócio e lançamento baseado nisso, chama-se pré-venda, Ah, e funciona.
Muito se fala sobre FailFast mas este ciclo de falha torna-se muito mais longo quando você exclui a necessidade de pagar contas, creche das crianças, aluguel do apartamento onde mora e todos os outros custos que você não pode eliminar ao entrar numa mudança de vida tão drástica. Em recente post no PapodeHomem, utilizei essa citação, que se faz necessária para ilustrar meu ponto aqui:
“Quer inovar? Primeiro, coloque-se numa confusão. Quero dizer, uma confusão séria, mas não terminal. Eu digo – e vai além da especulação, mas sim uma convicção – que inovação e sofisticação surgem de situações de necessidade, em formas que vão muito além da sua satisfação.Naturalmente, existem pensamentos clássicos sobre o assunto. Um ditado em latim diz que a sofisticação nasce da fome (artificia docuit fames). A ideia permeia a literatura clássica. Em Ovid, a dificuldade é o que desperta o gênio (ingenium mala saepe movent), que no inglês do Brooklyn pode ser traduzido como “Quando a vida te dá um limão…”.
A Falha não é de todo mal
É bem claro, que aqui estou apontando apenas o ponto de vista da pessoa que busca o sucesso de sua ideia/negócio.
O investidor enxerga essa relação de uma forma diferente, para ele, investir em dezenas de negócios vale a pena, porque se apenas um deles der certo, o lado positivo é exorbitantemente alto. Antes de qualquer coisa, reconheço que este formato ajuda a impulsionar negócios e inovação no mercado.
Independente da área que estejamos falando, grandes inovações são resultado de milhares de pequenas falhas anteriores. Quanto maior for o número de falhas que ocorrem num ecossistema, maior a chance de algo dar muito certo. E essa é a beleza do negócio. É por isso que empreendedores que não deram – ou ainda não deram – certo são extremamente importantes, e também não se deve apostar 100% das fichas em uma única iniciativa, tal como persistir em algo que já se mostrou sem futuro.
Cada falha se torna uma nova informação para o processo de iteração e disso, as chances de um resultado positivo se tornam cada vez maiores.
- Seu lugar do tabuleiro
Cada uma das peças possuem um papel específico, aqui faço questão de enfatizar a necessidade do empreendedor sentir o risco na pele, buscando metas e conquistas não apenas pela paixão que tem por sua ideia, mas pelo real medo da perda. O sentimento de ter apostado demais em algo para deixar que falhe O papel de quem investe é fomentar a movimentação de ideias e iniciativas, ainda que buscando garantir seu retorno em cada possível ideia, mirando no tão esperado cisne negro positivo.
